Renováveis atraem mais mulheres, mas lacuna de gênero ainda é grande

Globalmente, o setor de energia ainda é pouco amistoso com as mulheres, mas o avanço das fontes renováveis acena com maior atração da mão de obra feminina. Enquanto na indústria de combustíveis fósseis (óleo e gás) a participação das mulheres na força de trabalho é de 22%, no setor de energias renováveis a fatia de profissionais do sexo feminino cresce para 32%, segundo a pesquisa de gênero da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena). O mundo hoje gera 11,5 milhões de empregos no setor de renováveis, e, com a perspectiva é de criação de 42 milhões de empregos até 2050, serão necessárias políticas para promover maior equidade de gênero no setor.

Algumas iniciativas já começam a aparecer: uma delas é a Hypatia, uma rede de relacionamento para mulheres que trabalham no setor de energia com sede em Berlim, Alemanha. Fundada em 2010, hoje conta 45 membros e atua, por meio de advocacy por mais equilíbrio de gênero nas empresas do setor. “Há uma dominância de homens nas empresas de energia, mas há oportunidades de vagas de empregos qualificadas para mulheres, especialmente em grandes companhias”, diz Tina Barroso, co-fundadora da Hypatia. Isso porque as empresas de maior porte tendem a ter políticas afirmativas de gênero, já que a diversidade é um atributo que vem sendo mais cobrado por acionistas e grandes investidores, no bojo das questões ESG (ambientais, sociais e de governança).

Segundo Tina, o segmento de renováveis acumula mais trabalhadoras do sexo feminino. Além dos dados da Irena, ela cita estatísticas da Áustria – no país, são 19,3% de mulheres nas empresas do setor de energia, sendo 10,6% em posições de liderança; quando se olha o setor de energias renováveis, os números saltam para 29,6% de mulheres na força de trabalho e 18,2% em posições de liderança.

A Hypatia também realiza pesquisas para detectar os motivos para a menor presença de mulheres no setor de energia, e aponta três principais gargalos. Um deles é a lacuna de mulheres com qualificações para os cargos, especialmente nas áreas técnicas – na Alemanha, por exemplo, os cursos de engenharia têm apenas 25% de mulheres, o que se reflete posteriormente no mercado de trabalho. Os outros são a falta de visibilidade das mulheres no setor de energia e a escassez de modelos de lideranças femininas no setor que sirvam de inspiração para outras mulheres.

“O desafio começa nos processos de recrutamento, pois muitas empresas sequer recebem currículos de mulheres para as áreas técnicas”, diz Tina. Um exemplo inclusivo vem da empresa alemã 50Hertz, que atua no segmento de transmissão de energia e grids inteligentes: desde 2018 passou a publicar vagas de emprego direcionadas ao público feminino, com anúncios de “engenheira” e “técnica em energia”, além de assumir metas para aumentar a presença de mulheres em cargos de alta gestão.

O esforço para reduzir as disparidades de gênero no setor de energia encontra eco no Brasil. E o segmento de energia solar fotovoltaica, em expansão, tem espaço para abrigar mais mão de obra feminina, na avaliação de Kathlen Schneider, cofundadora da Rede Brasileira de Mulheres na Energia Solar (MESol). Criada em 2017, a rede tem o objetivo de atrair mulheres para o setor de energia solar e aumentar o networking para as profissionais da área. “As oportunidades não são as mesmas para as mulheres. A equidade de gênero não vai acontecer naturalmente, teremos de provocá-la”, diz Kathlen, que é engenheira civil e pesquisadora do Centro de Pesquisa e Capacitação em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina (Fotovoltaica-UFSC).

Dados da consultoria Greener confirmam essa lacuna: pesquisa realizada com 685 empresas que atuam no segmento de geração distribuída da energia fotovoltaica em 2020 aponta que 40% não tinham sequer uma funcionária do sexo feminino. A participação das mulheres, em média, varia de 16% a 21%, de acordo com o tamanho da empresa. Entre as que estão empregadas no segmento, mais da metade (53%) estão em cargos administrativo/financeiros ou de recursos humanos, e apenas 15% das mulheres estão em funções técnicas (12% em projetos e engenharia e 3% em montagem e instalação). “Estimular e inspirar as meninas para que sigam carreiras nas áreas técnicas é um dos caminhos, mas não o único. Queremos mais mulheres atuando no setor de energias renováveis, seja como engenheiras, arquitetas, projetistas, advogadas, pesquisadoras”, diz Kathlen.

Outro levantamento, da Embaixada do Reino Unido no Brasil, confirma que tanto no segmento de energias renováveis quanto nas fósseis, há pouca representativa feminina nas posições de liderança. Há 11,2% de mulheres nos conselhos executivos; 11,8% nos conselhos de diretoria e 18,1% nos conselhos fiscais, de acordo com dados de 2019. Para ter dados mais acurados sobre a presença de mulheres na energia fotovoltaica, a MESol está conduzindo uma pesquisa para mapear o perfil das profissionais de energia solar no Brasil, seus interesses e barreiras. A partir dos dados, será possível identificar o contexto e os principais gargalos para a inserção e retenção das mulheres no setor de energia solar no país.

fonte: ABSOLAR