O crescimento da energia solar no Brasil. E o seu futuro

A energia solar vem batendo recordes de geração no Brasil em 2022. A fonte cresce ano a ano, apesar de ainda representar uma parcela minoritária da matriz do país.

Fonte limpa e renovável, e portanto estratégica em processos de redução de emissão de gases que contribuem para a mudança climática, a geração de energia solar é relativamente recente no Brasil, e ganhou impulso a partir de meados da década de 2010. Ela é dividida em dois tipos: centralizada, ligada a grandes usinas, e distribuída, relacionada a pequenas unidades como casas com painéis fotovoltaicos no telhado.

Neste texto, o Nexo relembra a trajetória do setor no século 21 e conversa com especialistas sobre as perspectivas. O entendimento é que a energia solar ainda tem muito espaço para crescer, embora não sem obstáculos.

Como funciona o mercado de energia solar

Há duas principais formas de geração de energia solar no Brasil. Uma delas é a chamada geração centralizada, que normalmente se refere a grandes centros de energia solar. Um exemplo são as grandes usinas solares, com alta capacidade de produção.

Essa energia é comercializada em duas frentes. Uma é diretamente com os clientes, em ambientes de contratação livre. Um exemplo é o de uma empresa que deseja contratar energia com uma usina de energia elétrica solar. Ela firma um acordo diretamente com essa usina.

É possível também comercializar esse tipo de energia em leilões regulados pelo governo federal. Nesse caso, é necessário seguir processo licitatório.

A outra forma de geração de energia no país é a chamada geração distribuída. Trata-se de uma produção descentralizada de energia, baseada em geração de pequeno e médio porte.

É o caso, por exemplo, de casas abastecidas com painéis fotovoltaicos colocados sobre o telhado. Residências, empresas, prédios públicos e estabelecimentos rurais e comerciais podem ter pequenos sistemas de geração de energia elétrica solar.

A geração distribuída no Brasil

Há cerca de 1,2 milhão de pontos de geração distribuída de energia solar no Brasil em 2022. Eles estão concentrados da seguinte forma, segundo a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica):

Residências representam 78,4% das conexões
Estabelecimentos de comércio ou serviços representam 11,8% das conexões
Consumidores rurais representam 7,7% das conexões
Indústrias representam 1,7% das conexões
Prédios públicos representam 0,3% das conexões

Na maior parte dos casos, essas pequenas estações ficam conectadas ao SIN (Sistema Interligado Nacional). Essas unidades produzem e consomem energia ao mesmo tempo. Quando a produção supera o consumo, esse excedente pode ser injetado no sistema nacional, ajudando a abastecer outros consumidores. A palavra usada para referir a essa mistura de produtor com consumidor é “prosumidor”.

Isso não significa que esses locais não consomem energia de outras fontes. Como não é possível gerar energia solar durante a noite, os consumidores acabam usando, nesses momentos, energia que vem das distribuidoras, e que pode ter origem hidrelétrica, termelétrica ou de outra fonte.

Mas, se injetarem energia elétrica no sistema durante o dia, acabam sendo recompensados financeiramente por isso, via créditos junto à empresa distribuidora. Esses créditos podem ser abatidos do valor cobrado ao final do mês. Por isso, a conta de luz de quem tem painéis fotovoltaicos instalados pode ser bem menor do que a de quem só consome energia vindo das distribuidoras.

“O primeiro fator que tem levado os consumidores a buscar essa tecnologia é a economia na conta de luz. Um sistema fotovoltaico pode permitir com que o consumidor reduza o seu gasto mensal de energia elétrica em 90%, às vezes até mais”, disse ao Nexo Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Absolar.

Com relação ao preço da instalação de painéis, Sauaia disse que se trata de um investimento que se paga em poucos anos (entre três e cinco), via abatimentos da conta de luz. O presidente executivo da Absolar destacou também que há um número crescente de linhas de crédito para esse tipo de compra, aumentando o acesso à energia solar no país.

A economista Virginia Parente, professora do IEE-USP (Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo), afirmou ao Nexo que outro fator que tem levado pessoas a buscarem a geração própria de energia solar é o fato de que se trata de uma fonte limpa e renovável. “Cada vez mais os consumidores vão buscar produtos que venham de matrizes mais limpas”, afirmou.

Outra vantagem da energia solar, segundo a professora, diz respeito aos custos de transmissão. Como a energia de geração distribuída é produzida próxima dos locais de consumo, ela não precisa passar por linhas muito longas de transmissão. Assim, ela evita perdas ligadas à transmissão, que muitas vezes aumentam o custo da energia que vem de usinas hidrelétricas ou termelétricas no Brasil.

Isso não quer dizer que não haja dificuldades. Em prédios altos com muitos moradores, por exemplo, dificilmente há área disponível para painéis que geram energia suficiente para atender a toda a demanda.

Além disso, Parente afirmou que mesmo que a energia solar cresça com bastante vigor no Brasil, ela tem uma limitação importante, já que ainda é uma fonte com bastante variabilidade – ao menos enquanto as tecnologias de baterias eletroquímicas, capazes de armazenar o excedente produzido durante o dia, não tenham custo menor e, por consequência, alcance mais amplo. “Se você tem muitas horas de falta de sol, isso reduz a capacidade de geração de energia solar. À noite e no momento no momento de pico, entre cinco e nove da noite, você não tem o sol disponível”, disse a economista. Ou seja, essa lacuna ainda precisa ser preenchida com outras formas de energia.

Qual o papel da energia solar

A energia solar começou a crescer com maior força no Brasil a partir de meados da década de 2010. Inicialmente, a maior parcela da energia vinha de geração centralizada. Mas a geração distribuída ganhou impulso a partir de 2019, e em 2022 representa cerca de dois terço da energia solar do país.

MUDANÇA DE CENÁRIO

Juntando a geração distribuída e a centralizada, a energia solar vem crescendo de forma praticamente exponencial no Brasil. É o que mostra o gráfico abaixo.

SUBINDO

Em 2022, a energia solar representa a quarta maior fonte de geração de energia elétrica no Brasil, em termos de capacidade instalada. Ou seja, se todas as fontes estiverem operando no limite máximo, a energia solar é a quarta que mais irá gerar energia. Ela fica atrás, respectivamente, de hidrelétrica, térmica e eólica.

MATRIZ ELÉTRICA

O gráfico acima foi elaborado com números do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). A base de dados não considera a geração distribuída de energia solar, mas mesmo se esses números forem adicionados, as fontes solares seguem em quarto lugar na matriz elétrica brasileira.

Por que demorou tanto a decolar

No começo dos anos 2000, a matriz elétrica brasileira era altamente dependente de fontes hidrelétricas. Cerca de 90% de toda a energia elétrica do país era gerada por usinas hidrelétricas. Por consequência, havia uma vulnerabilidade considerável a períodos mais longos de escassez de chuva.

Em 2001, uma escassez histórica de chuvas levou o sistema elétrico brasileiro à beira do colapso. Diante da iminência de um grande apagão, o governo de Fernando Henrique Cardoso criou um “Ministério do Apagão”, vinculado à Casa Civil, para conter a crise. O poder público acabou adotando uma política de racionamento de energia elétrica.

A crise levou o governo a criar ações para diluir a participação da energia hidrelétrica na matriz brasileira. Foram instituídos programas para aumentar a produção de fontes renováveis, como fontes eólicas e usinas termelétricas movidas a biomassa. Também foram feitos investimentos públicos na atividade de transmissão de energia.

Mas a energia solar praticamente não avançou nesse período – essa fonte não fez parte dos planos de diversificação da matriz elétrica brasileira. “Ela não participou porque ainda era muito cara”, disse Parente, da USP. Ou seja, a expansão da energia solar naquele momento poderia encarecer a conta de luz dos brasileiros.

Sauaia, da Absolar, criticou essa decisão. “Nós perdemos mais de uma década em relação ao desenvolvimento da energia solar no nosso país, por uma decisão de governo”, disse.

O mercado de energia solar no Brasil, portanto, é relativamente novo. Há dois fatores centrais que explicam por que essa fonte ganhou força a partir de meados da década de 2010.

O primeiro é uma queda de preço ao longo dos anos. Segundo dados da Absolar, o preço médio da energia produzida por fontes solares caiu em pouco mais de 80% entre 2013 e 2019. Esse movimento foi causado, segundo Parente, por três fatores centrais:

  • Avanços tecnológicos que baratearam o custo de painéis fotovoltaicos
  • Aumento de escala, que diminuiu custos de produção de equipamentos
  • Ganhos de produtividade ligados ao “learn by doing” (“aprender fazendo”, em português). Ou seja, as pessoas e empresas envolvidas na geração solar ganharam experiência e tornaram o processo mais eficiente

Além da redução do preço, outro fator que explica o crescimento da energia solar a partir de meados da década de 2010 é o quadro regulatório em torno desse tipo de energia. Em 2012, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) publicou uma resolução que, pela primeira vez, estabelecia regras para a instalação de pequenas estações de geração de energia solar no país. Em 2015, essa resolução foi adaptada para tentar melhorar as regras para funcionamento do setor.

Em paralelo às medidas sobre geração distribuída, o governo também avançou na geração centralizada. Em 2014, foi realizado o primeiro leilão para contratação de energia solar no Brasil.

O que há de regras novas

As mudanças regulatórias não pararam na década de 2010. No final de 2021, o Congresso aprovou uma lei apelidada de “marco legal da microgeração e minigeração distribuída”.

“A resolução de 2012 da Aneel era o único marco regulatório que o setor tinha à sua disposição. Só que uma resolução normativa da agência regulatória é um marco instável e volátil, que pode mudar a qualquer momento. Basta a decisão de uma maioria simples, de três entre cinco diretores”, disse Sauaia, presidente executivo da Absolar. “Agora, temos uma lei estruturada, sólida e robusta, que dá muito mais estabilidade e previsibilidade para o setor.”

Outro ponto importante da lei é que ela gerou normas para garantir que as empresas distribuidoras de energia elétrica sejam remuneradas pelo uso de sua infraestrutura quando há injeção de energia excedente no sistema elétrico pelos “prosumidores”. “Como a geração solar que cresce é a que está conectada à rede, a rede é imprescindível para que a tecnologia cresça e esteja disponível”, disse Parente, da USP.

Na prática, isso significa que as pessoas que tenham geração própria de energia solar precisarão pagar uma espécie de pedágio para as distribuidoras, como uma forma de pagamento pelo uso da estrutura da rede.

A lei, sancionada em 6 de janeiro de 2022, diz que os consumidores que instalarem microgeradores de energia solar até o início de 2023 poderão manter a compensação dos créditos de energia elétrica nas condições anteriores à lei – ou seja, sem o pagamento do “pedágio”. Por isso, a lei criou uma espécie de incentivo para que, em 2022, mais pessoas aderissem à geração distribuída.

O futuro da energia solar no Brasil

Tanto Parente quanto Sauaia afirmaram que o setor de energia solar está em pleno crescimento no Brasil – tendo partido praticamente do zero na primeira metade da década de 2010. E ambos acreditam que há espaço para essa expansão continuar em bom ritmo, já que o Brasil é um país com grande potencial devido a suas características geográficas.

Parente afirmou, no entanto, que a energia solar, por ser variável, dificilmente irá substituir por completo outras fontes. Por isso, ela tem um teto de crescimento (ainda distante). Nesse sentido, a energia solar aparece como uma alternativa para ajudar a diminuir o uso da água dos reservatórios das hidrelétricas, ou reduzir a queima de materiais nas usinas térmicas.

Mas a economista também disse que há perspectiva de que as baterias para armazenamento de energia solar se tornem mais baratas nos próximos anos, podendo ser adotadas em larga escala. Isso pode ajudar a aumentar a competitividade do setor frente a outras fontes de energia.

Sauaia, por sua vez, disse que outro possível obstáculo para o setor é “a ausência de políticas públicas estruturantes para energia solar”. Ele citou que seria possível fazer campanhas para adoção de painéis solares; instalação de painéis em escolas, hospitais e outros estabelecimentos públicos; e incentivos fiscais para o setor.

Além disso, em 2021, o Congresso aprovou, junto do texto da privatização da Eletrobras, os chamados “jabutis” – medidas estranhas ao tema central da proposta. O principal deles é a obrigação do governo de contratar quantidades fixas de energia de usinas termelétricas movidas a gás natural – fonte cara e poluente. Os parlamentares usaram uma manobra para impedir que o presidente vetasse esse trecho. Há suspeitas de que os jabutis atenderam a demandas do lobby do setor privado de gás. Ao podcast Tempo Quente, da Rádio Novelo, especialistas falaram que o incentivo dado às termelétricas pode atrapalhar o crescimento da energia solar no país.

fonte: NEXO JORNAL