Qual será o destino dos módulos fotovoltaicos após a repotenciação dos sistemas?

por Prof. Dr. Ricardo Rüther e Marinna Pivatto

Painéis de energia solar podem ganhar segunda vida sendo reutilizados em sistemas isolados, comunidades de baixa renda e na iluminação pública

A energia solar fotovoltaica pode ultrapassar a energia eólica se tornando a segunda maior fonte de energia elétrica do Brasil e fazendo o ano de 2022 entrar para a história do setor. Esse crescimento traz à tona um desafio: qual será o destino dos módulos solares após a repotencialização dos sistemas?

A economia circular, alinhada às exigências dos investidores aos critérios ESG, se mostra uma alternativa para solucionar o desafio de forma sustentável e social. Nesse sentido, o Laboratório de Energia Solar Fotovoltaica (www.fotovoltaica.ufsc.br) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) conduz uma pesquisa para validar as condições técnicas de módulos fotovoltaicos de um sistema repotenciado após 22 anos de operação ininterrupta. 

As aplicações são variadas. De acordo com o IBGE, em 2021 o Brasil atingiu 62,9 milhões de brasileiros com renda domiciliar per capita de até R$ 497 mensais, o que representa 29,6% da população total do país.

O projeto de segunda vida de módulos fotovoltaicos acredita que pode contribuir através da capacitação de profissionais que buscam modelos de negócio circular e com isso beneficiar a população de baixa renda, programas públicos como Luz para Todos, ONGs e outros mercados.

Sustentabilidade em todos os aspectos da Energia Solar

Ao atingir o marco de 20 GW de potência instalada em energia solar em outubro/2022, O Brasil pode terminar este ano atingindo 24 GW, tornando a energia solar a segunda maior fonte de geração de energia do país, ultrapassando a geração eólica e depois de ultrapassar a geração a gás natural, biogás e biomassa.

Além disso, o setor já evita a emissão de mais de 27 milhões de toneladas de CO2 se comparado com fontes de energia não renováveis. A aplicação de um modelo circular de economia pode alavancar essa métrica. 

O modelo econômico vigente é o linear: ‘extrair, produzir, desperdiçar’. Ele está atingindo seus limites físicos. Em contrapartida, a Economia Circular (EC) é um modelo de produção e consumo que busca manter o valor de produtos, materiais e recursos pelo maior tempo possível.

Desta forma, a EC é uma alternativa atraente ao sistema linear, pois visa redefinir o padrão de crescimento, focando em benefícios para toda a sociedade. Isto envolve eliminar resíduos do sistema através do reuso e reciclagem.

Por exemplo, a reutilização de módulos fotovoltaicos após o descomissionamento ou repotenciação de geradores em locais como sistemas isolados, comunidades de baixa renda e iluminação pública. Este modelo é conhecido no exterior como “Second Life”, ou Segunda Vida. 

A economia circular não é novidade na indústria do Brasil, porém precisa ser disseminada no setor de geração de energia. Conforme a Confederação Nacional da Indústria (CNI) que, em 2018, publicou o documento “Economia Circular: Oportunidades e Desafios para a Indústria Brasileira”, é importante a mudança de mindset e diz que: “O primeiro passo para a transição da lógica linear para a circular consiste em analisar as oportunidades de inovação nos atuais modelos de negócios, visando a criação de melhores processos, produtos e serviços, capturando valores perdidos e não percebidos por todas as partes interessadas“. 

Levando em consideração a abordagem da CNI, a figura abaixo apresenta como a inovação no processo do atual modelo de negócio da energia solar pode ser circular e ainda auxiliar na redução da emissão de gases do efeito estufa (GEEs). A segunda vida do módulo e a reciclagem visam capturar valores perdidos e não percebidos ao longo da cadeia de fornecimento do sistema fotovoltaico. 

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Figura 1: Emissão de gases do efeito estufa ao longo da cadeia de fornecimento do sistema fotovoltaico com foco nas intervenções de segunda vida e reciclagem que visam minimizar estes impactos. Adaptado de: Pareek, 2021

A principal fase responsável pelos impactos ambientais é a de produção, devido à mineração e ao processamento de matérias primas, equivalente a aproximadamente ? das emissões. Já os impactos climáticos da fase operacional podem ser, equivocadamente, considerados desprezíveis; porém atividades como manutenção e substituição de equipamentos podem aumentar as emissões.

É através dessa análise que se conclui a relevância da segunda vida dos módulos solares fotovoltaicos na emissão de GEEs, devido a dois fatores. Primeiramente, a segunda vida minimiza os impactos na fase operacional; em segundo lugar, se utilizado um módulo de segunda vida, os impactos da fase inicial da cadeia serão, também, evitados.

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Figura 2: Módulos solares fotovoltaicos de silício monocristalino da década de 1980, quando as células fotovoltaicas de formato circular ainda eram utilizadas em todo o mundo.
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Figura 3: Em usinas solares fotovoltaicas de grande porte centenas de milhares de módulos fotovoltaicos são instalados simultaneamente, com expectativa de uso entre 15 e 30 anos. Ao final de sua vida útil na usina de grande porte, muitos destes módulos ainda poder ser reutilizados em outras aplicações, dando a eles uma “segunda vida” antes de serem finalmente reciclados.

Segunda Vida no âmbito legal e internacional

Para que a Economia Circular seja escalável é necessário a participação de todos os envolvidos na cadeia produtiva, e que sejam criadas condições facilitadoras para essa transição. Entre elas, a implantação de políticas públicas, que já vêm ocorrendo a nível internacional.

Sob a ótica das políticas públicas, em 2022, no Brasil, foram publicados projetos de lei sobre o tema. Por exemplo, a comissão do Meio Ambiente emitiu, via Senado, o projeto de lei PL 1874/2022, que institui a Política Nacional de Economia Circular. Ele está aguardando despacho no Senado.

Além do projeto em tramitação, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305 de 2010) e seus decretos vinculados (Decreto nº 10.240, Decreto nº 10.936, Decreto nº 11.043, Decreto nº 11.044) possuem extrema relevância para impulsionar a Economia Circular, visto que a gestão eficiente de resíduos e a logística reversa de eletroeletrônicos são princípios fundamentais do modelo EC.

Já na Europa, pesquisadores internacionais trabalham junto ao Comitê Internacional Eletrotécnico (IEC) na TC nº 82 (Sistemas de Energia Solar Fotovoltaica) para padronizar o processo de reutilização de módulos solares fotovoltaicos. O objetivo é adaptar as normas técnicas existentes para facilitar a triagem e manutenção efetiva dos equipamentos, possibilitando a reutilização de módulos fotovoltaicos como Segunda-Vida em larga escala.

Uma vez aprovada a norma Internacional para o tema, conforme informado pela COBEI (Comitê Brasileiro de Eletricidade, Eletrônica, Iluminação e Telecomunicações), será possível viabilizar a nacionalização da norma por meio da atual comissão de estudos de sistemas de conversão fotovoltaica de Energia Solar (CE-003:082.001).

Estas condições facilitadoras para a transição são de extrema importância, pois a Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) estimou que até 2050 serão descartados 78 milhões de toneladas de módulos solares fotovoltaicos em todo o mundo.

Pensando na aplicação de modelos econômicos circulares, esses módulos precisarão ser encaminhados para reutilização ou reciclagem, e pesquisas ao redor do mundo já se preocupam com essa temática. Pesquisadores na Austrália desenvolveram novos modelos estatísticos de análise de vida útil para quantificar de forma mais assertiva a projeção futura de resíduos.

Dados de resíduos gerados no Japão e Coréia já indicam que se atingirão 78 milhões de toneladas acumuladas de módulos fotovoltaicos descartados muito antes do previsto, pois os módulos podem ser descartados devido a outros fatores não considerados pela IRENA, como danos durante a instalação ou tempestades, falhas de componentes ou, simplesmente, o incentivo econômico de substituir módulos mais antigos por outros de maior eficiência. (ver artigo na íntegra)

Em relação à substituição de módulos por incentivos financeiros, estudos indicam que estes serão trocados em média em 15 anos de uso, ou seja, antes do término da vida útil de 25 ou 30 anos. Desta forma, podem ser reutilizados no modelo circular de Segunda-Vida, desde que aprovados tecnicamente por laboratórios especializados. Sendo assim, a reciclagem será a última opção para que ocorra a maximização de valor, possibilitando, também, acesso à população de baixa renda. (ver artigo na íntegra

Economia  Circular  e  Segunda Vida de Módulos Fotovoltaicos na prática

A empresa Fabtech Enterprises do Arizona, Estados Unidos, nos últimos quatro anos, viabilizou, ao invés de descartar, a segunda vida de 600 mil módulos fotovoltaicos com 80% da potência original. Esse movimento deu início a um novo mercado de reuso para instalações provisórias off-grid, eventos, fazendas, trailers entre outros. 

No Brasil, este modelo de negócios ainda não foi implementado, visto que há poucos sistemas fotovoltaicos em fase de descomissionamento; porém há um mercado em potencial para consumir módulos de segunda vida. Para que este novo modelo aconteça, é de extrema importância que existam locais qualificados para execução dos testes, manutenção e certificação do equipamento de segunda vida.

O município de Florianópolis está em primeiro lugar no ranking de GD do país com 207 MW de potência instalada. O Laboratório de Energia Solar Fotovoltaica (www.fotovoltaica.ufsc.br) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em parceria com o Laboratório de Conforto Ambiental  (https://labcon.ufsc.br/), iniciaram o projeto de pesquisa em segunda vida de módulos fotovoltaicos.

Os 76 módulos utilizados na pesquisa foram instalados no ano 2000 na Ilha Fortaleza Santo Antônio de Ratones (Projeto FV-UFSC 2000) e este sistema foi repotenciado este ano. O descomissionamento do sistema foi feito por profissionais qualificados com a finalidade de manter a integridade dos módulos e com isso aumentar as chances da Segunda Vida.

Conforme mostra a figura abaixo, o sistema foi instalado off-grid para suprir o consumo de energia elétrica, substituindo o gerador a diesel (que anteriormente consumia 1200 litros de diesel por mês).

A potência instalada foi de 4,7 kWp e contava com 56 módulos de silício multicristalino de 56 Wp 20 unidades de 77 Wp (Modelo: MSX-Solarex). Além disso, possuía um inversor de frequência, dois controladores de carga e um banco com 32 baterias de 150 Ah cada, totalizando 4800 Ah/57,6 kWh.

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Figura 4: Módulos solares fotovoltaicos de silício multicristalino da década de 1990, que operaram por mais de 20 anos na Ilha de Ratones Grande em Florianópolis-SC e que foram recentemente substituídos e passam agora por inspeção para uso em segunda vida no Laboratório de Energia Solar Fotovoltaica da Universidade Federal de Santa Catarina.

A pesquisa irá testar os módulos, com objetivo de correlacionar os resultados dos testes e validar a nova potência do equipamento. Por fim, serão instalados em diferentes aplicações para acompanhamento da geração. Dessa forma, energia solar não apenas será a segunda maior fonte de energia do país, mas também a primeira a ser implementada de forma circular, para uma transição energética sustentável e inclusiva.

Sobre o autor: Ricardo Ruther é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutorado em Electrical and Electronic Engineering – The University of Western Australia (UWA-1995) e pós-doutorado em Sistemas Solares Fotovoltaicos realizado no Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems na Alemanha (Fraunhofer ISE-1996) e na The University of Western Australia (UWA-2011). Atualmente é coordenador do Laboratório FOTOVOLTAICA/UFSC (Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq).   

fonte: Portal Solar