Incentivos à energia solar fazem explodir pedidos de instalação de geradores

Diversas ações recentes do Ministério de Minas e Energia (MME) facilitaram a implantação de placas fotovoltaicas para a produção da energia elétrica pela própria população. No mesmo sentido, um pacote de pelo menos dez projetos de lei foi prometido pela Câmara dos Deputados com o Novo Marco Legal do Setor Elétrico. Ao mesmo tempo, uma nova taxação entrará em vigor para quem instalar os painéis solares depois de 2023, o que fez a sociedade tentar economizar com a busca pela produção da energia ainda em 2022, antes que a modificação entre em vigor.

As novas regulamentações e incentivos são uma tentativa de encorajar o Brasil a atingir as metas auto impostas na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26): cortar as emissões de carbono em 50% até 2030 e alcançar uma matriz energética 100% limpa e sustentável até 2050. Além disso, há também uma preocupação em reduzir a dependência do país do ciclo das chuvas, que impactam a produção energética nas usinas hidrelétricas. 

Para compreender as alterações, o Jornal Opção ouviu o doutor em Engenharia Elétrica Fernando Nunes Belchior, pesquisador nas áreas de qualidade e eficiência energética, tarifação horária, geração fotovoltaica e medição e monitoramento de energia elétrica.

Mercado da energia elétrica será aberto em janeiro de 2024

A maior novidade legislativa diz respeito à possibilidade de consumidores comuns escolherem de qual concessionária irão contratar energia elétrica. Atualmente, o mercado é de “consumidores cativos”, o que significa que todos os residentes de Goiânia, por exemplo, são obrigados a contratar os serviços da Enel. Com a mudança, o MME pretende abrir gradualmente o mercado para que os consumidores possam optar pela compra de energia elétrica de qualquer supridor. 

A alteração será gradual: hoje, o mercado é restrito apenas aos consumidores com carga igual ou superior a 1.000 kW. A partir de 1º de janeiro de 2023, esse limite será diminuído para 500 kW. Em 2024, se espera que consumidroes residenciais possam fazer a escolha. Bernardo Sicsú, vice-presidente de Estratégia e Comunicação da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), afirma: “Dá continuidade ao processo que vinha ocorrendo nos últimos anos, mas que era apenas de fim da reserva de mercado, agora finalmente avança na abertura efetivamente, e com isso vai trazer mais eficiência e competição ao setor.”

Na prática, a abertura do mercado não significa que concessionárias de energia elétrica irão construir fisicamente seus próprios sistemas de transmissão em todo o Brasil, diz Fernando Nunes Belchior. “O que irá acontecer é que, se alguém em Goiânia quiser deixar de contratar a Enel para contratar a Cemig (concessionária que atua em Minas Gerais), por exemplo, a Cemig irá pagar pela estrutura da Celg e gerar créditos para a outra empresa.”

Atualmente existem mais de 50 concessionárias no Brasil, e se espera que novas empresas entrem no mercado. Deverão surgir também as operadoras que facilitam o intermédio para grandes consumidores, procurando e administrando a oferta de energia elétrica mais barata, prevê Fernando Nunes Belchior. 

Minigeração de energia

A legislação regulamenta a produção de energia própria a partir de fontes renováveis — como a solar fotovoltaica, a eólica, a de centrais hidrelétricas e a de biomassa. Uma mudança é a Tarifa sobre Uso do Sistema de Distribuição (Tusd). Atualmente, quem produz sua própria energia renovável utiliza a estrutura das concessionárias gratuitamente, mas terá de pagar por ela a partir de janeiro de 2023.

Críticos da medida apelidaram a tarifa pejorativamente de “taxação do sol”, mas o ataque é injusto, afirma Fernando Nunes Belchior. “Hoje, quem produz a própria energia usa os cabos de transmissão, os transformadores, toda a estrutura que foi montada pelas concessionárias sem compensá-las.”

Na prática, o cálculo de recuperação de energia será alterado. Por exemplo: atualmente, quem tem em casa placas fotovoltaicas que produzem 50 kw/h e consome da concessionária 150 kw/h precisa pagar por apenas 100 kw/h. Isto é, todo valor gerado é abatido do valor consumido. Quem instalar geradores depois de 2023 terá metade do valor do desconto abatido, quantia correspondente à tarifa Tusd. 

Essa mudança criou uma explosão na demanda por instalação de placas fotovoltaicas por consumidores que querem gerar a própria energia antes da tarifa começar a ser cobrada. Este fenômeno fez com que as concessionárias tenham dificuldade de emitir as autorizações necessárias.

Quem deseja instalar geradores de energia a partir de fontes renováveis precisa pedir um projeto para empresas autorizadas, que enviam para a concessionária o planejamento feito. As concessionárias têm prazo de um mês para avaliar o plano com base em critérios técnicos e decidir se o contratante está autorizado ou não a construir o gerador. Caso seja autorizado, a instalação é feita, notifica-se a concessionária e inicia-se novo prazo de cinco dias úteis para que a distribuidora possa trocar medidores de energia e realizar vistorias. 

“Como muita gente está procurando o sistema fotovoltaico, as concessionárias estão sobrecarregadas”, diz Fernando Nunes Belchior. Surgiu a reclamação comum de atraso na homologação por parte das concessionárias, que estão sujeitas a multas impostas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Procon. 

O engenheiro eletricista ressalta que mesmo após a nova tarifa, a instalação de minigeradores domésticos vai continuar compensando. “O payback vai aumentar um pouco; se hoje o sistema se paga em três anos, vai passar a se pagar em seis. Mas quando consideramos que o sistema dura 25 anos, a economia continua muito compensatória.”

Novo marco legal do setor elétrico

O ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, anunciou a criação de quatro grupos de trabalho, em conjunto com as entidades e empresas que integram o setor de energia, para a construção de dez projetos de lei com o objetivo de aperfeiçoar o marco legal energético brasileiro. Os quatro grupos serão voltados para os temas de mineração, óleo e gás, planejamento energético e energia.

Hoje, no Brasil, a participação das fontes renováveis na matriz elétrica nacional representa cerca de 80% do total. Durante discurso na abertura do Fórum Energias Limpas, Renováveis e Emissão Zero 2050, em Brasília, o ministro destacou a importância da agenda ambiental para o governo e convidou os participantes do fórum para discutir, por seis meses, as necessidades do setor.

“É claro que nós discordamos de muita coisa, é natural isso. Mas nós podemos brigar a vida inteira ou sentar juntos por seis meses e encontrar os nossos consensos. Eu me comprometo a, no dia 10 de novembro, pegar 10 projetos de lei que nós vamos construir conjuntamente e levar para a próxima equipe de governo, seja ela quem for”, afirmou Sachsida.

Estima-se que até 2040 a energia solar corresponda a 60% da matriz energética brasileira. “Essa meta está em vigor, a tendência é que seja corrigida para uma estimativa ainda mais otimista”, afirma Fernando Nunes Belchior. “Na realidade, essa mudança já devia ter iniciado há pelo menos 20 anos, pois o país já tem problemas com inconstância no suprimento de energia há muito tempo. Essas leis devem incentivar a geração de energia limpa, mas ainda estão muito iniciais, e não sabemos exatamente como isso será feito.”

O doutor em Engenharia Elétrica afirma que não há alternativa: a migração para uma matriz completamente limpa é inevitável. “É uma transição que já está acontecendo. Nossas escolhas dependem de comparar a viabilidade do sol, dos ventos, do hidrogênio; mas continuar dependendo de combustíveis fósseis não é uma opção. Primeiro porque o mundo todo planeja sanções para nações poluentes; segundo porque é uma fonte finita de energia.”

Embora a eletricidade brasileira seja considerada limpa, o país ainda confia em combustíveis fósseis para transporte, por exemplo. Apenas a mobilidade é responsável por 34% das emissões de gases de efeito estufa – dado que tende a melhorar com a popularização de carros movidos à energia elétrica. “O Brasil demorou para entrar na rota e ainda pode melhorar. Não há como resistir a essa transição”, conclui o engenheiro. 

fonte: Jornal Opção